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Violência Doméstica e a Lei Maria da Penha: um faz de conta?

Em 2006 entrou em vigor a lei 11.340, denominada Lei Maria da Penha, em justa homenagem a uma mulher que sofreu uma miríade de agressões de seu marido na década de 80. Depois de simular um assalto e contra ela desferir tiros de espingarda resultantes em uma paraplegia, eletrocutou-a durante o banho.

Com efeito, as alarmantes 5.760 mulheres espancadas por dia no Brasil (excetuando-se a cifra negra, conforme informação do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para Mulher) demonstram que a violência doméstica há muito deixou de ser um problema de ordem privada e passou a ser questão de saúde pública.

Criaram-se os juizados de violência doméstica, segundo a Lei Maria da Penha, prevendo também equipes multidisciplinares para atendimento da demanda (assistentes sociais, psicólogos etc.), dentre diversas outras medidas para coibir o massacre. Todavia, apesar do esforço, a providência não parece suficiente ainda, pois a estrutura é mínima diante da crescente procura por este tipo de auxílio.

Deve ser levado em conta ainda que a teoria difere muito da prática do dia a dia forense: muitos casos sequer são de polícia, mas de tratamento de dependência de drogas e de transtornos psiquiátricos. De fato, nem sempre a vítima quer o fim da família, o que inadvertidamente ocorre com a prisão do ofensor: ela quer que cesse a violência, o alcoolismo e a drogadição, mas nem isso vem encontrando estofo na rede de saúde pública, sem a menor estrutura para receber a demanda.

Existe um cipoal de críticas à Lei Maria da Penha, em especial duvidando equivocadamente da sua constitucionalidade. E é de se ressaltar também os incontáveis casos em que mulheres se utilizam das benesses protecionistas da lei para importunar seus (des)afetos.

Não se trata de discurso deste ou daquele jaez, mas de uma realidade que bate às nossas portas, consubstanciada em mulheres acusando levianamente seus companheiros de maus tratos, imputando falsamente abusos sexuais ou quaisquer outros crimes cometidos contra si ou contra suas filhas. São ignorantes do que isso representa, quer para o acusado, quer para a falsa vítima criança e muito menos para o Poder Judiciário, já tão massacrado pelas pilhas de processos inertes. É fenômeno endêmico. Nenhuma etnia, classe social ou religião está imune, tampouco é característico da pobreza.

Neste sentir, embora essenciais os papéis do psicólogo e do assistente social, profissionais capazes de levantar as evidências sobre a viabilidade da violência sofrida, bem antes disso cabe aos magistrados e promotores a obrigação ao filtro das infindáveis acusações que chegam ao judiciário, muitas delas sem o menor respaldo técnico ou verossímil.

Já presenciei casos instaurados por acusação de crime que deixaria vestígios, mas por exigir auto de exame de corpo de delito não realizado, teve negadas liminarmente as medidas protetivas que pedia. Poucos dias depois, exsurge novo pleito por intermédio de advogado, com o mesmo pedido de medida protetiva, porém não mais aventando crime que deixa vestígio. Perguntem se a medida protetiva teve guarida na segunda súplica?

Portanto, assim como a juízes e promotores, cabe também a nós, advogados, o agir com ética, desaconselhando ou até mesmo impedindo, na medida em que nos for possível, que aventuras jurídicas como essas cheguem aos portais judicantes.

É uma forma de contribuir para que a lei não caia no “faz-de-conta“.

Somos os primeiros juízes da causa.

Karla Sampaio - Advocacia Criminal Especializada, desde 2005