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O Direito da pressa

Diz-se que o Processo Penal está imbuído da descoberta acerca da verdade dos fatos. E, por repousar no óbvio a ideia de esse encontro só se dar mediante a busca de provas que tragam clareza e certeza aos acontecimentos, afirma-se que a busca de provas é o cerne processual penal.

Por outro lado, não é de hoje a preocupação com os elevados índices da criminalidade. É uma onda crescente de violência, um tsunami que açoita uma comunidade a quem foi relegado apenas o direito de clamar por justiça. Instigada pela massificação das notícias, o que a comunidade quer é solução. O que ela quer é culpar e condenar, para depois dormir o sono dos justos.

É nesse sentido que os incautos alardeiam ser o interesse público o verdadeiro norteador da tarefa de buscar provas, só que a qualquer preço, e assim se dorme em paz. Todavia, ainda que genuíno seja o interesse coletivo pela paz social – e não um desatinado mecanismo de alívio imediato – a ele são impostos limites. Ora, quanto maior a “fome de justiça”, exponencialmente majorada por exaustivas coberturas cinematográficas que a convolam em “sede de vingança”, maior é a possibilidade de se aviltarem os direitos fundamentais de toda a sociedade. É autofágico.

Todos nos curvamos diante das mesmas leis, e não é exagero esclarecer que o processo é também o mais puro instrumento de limitação do poder estatal, porquanto detentor único do jus puniendi. A aplicação da pena pressupõe o adequado caminhar do processo penal, e permitir o contrário é conferir azo a decisões judiciais açodadas e descomprometidas com as garantias mínimas de um Estado Democrático de Direito.

Frise-se ainda existir um tempo para tudo. E o tempo do processo jamais acompanhará o tempo da sociedade dos cartões de débito, da virtualidade e da penhora online. Entretanto, a pressão por decisões velozes leva ao ocaso das segregações pela repercussão do fato, pela comoção social e pela ordem pública. O Direito da pressa atropela direitos fundamentais e garantias sob o auspício de se conter a violência urbana. E embora não resolvam a questão de fundo, resta o imaginário social apaziguado e uma mídia mais rentável.

Contrariamente ao que se pensa, a urgência é a antítese das liberdades individuais, porque conduz a sociedade ao direito urgente e à exclusão da sua própria esfera de segurança. E não se fale somente em prisões isentas de requisitos mínimos, mas de atos outros que, da mesma forma, atentam às escâncaras contra seguranças mínimas constitucionais. São as buscas e apreensões, são as decisões cautelares, são as escutas telefônicas sem qualquer respaldo: toda a sorte de medidas que fogem da norma, ultrapassam o círculo de liberdade individual e deixam de legitimar a pena póstuma. Atropelam-se direitos e garantias fundamentais em prol de se tentar demonstrar à sociedade a capacidade de se exterminar a violência e a criminalidade em exemplar espaço de tempo.

Engana-se quem espera a mitigação da criminalidade pelo direito da pressa. Num país emotivo como o nosso, o abarrotamento de leis ineptas e a execração pública de direitos fundamentais dão notícia e parecem saciar o povo.

Evidentemente, não se está aqui a proclamar a impunidade. Mas se direitos fundamentais a todos sorriem, desrespeitar os mandamentos constitucionais de dignidade e devido processo legal em busca da vingança urgente – fantasiada de justiça – significa pactuar com a violência de um Judiciário que por vezes não protege o indivíduo, nem respeita qualquer direito.

Somente políticas contínuas de desenvolvimento físico e intelectual da juventude, de educação, de trabalho e de obediência às leis – além de uma mídia menos voltada à violência e mais direcionada à difusão da paz -, é que obstará a crise no seu rumo atual ao descalabro irrefreável.

Karla Sampaio - Advocacia Criminal Especializada, desde 2005